Uma introdução ao conceito do microsom

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Rodrigo Vitta

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artigo – microsom

Uma introdução ao conceito do microsom

Composer, conductor and professor Rodrigo Vitta (1971-)

Introdução

Este artigo é um breve comentário sobre o conceito de microsom. Vou apresentar algumas questões sobre a não significância do som isoladamente e apontar a possível criação de complexos sonoros por meio da geração de processos de controle sobre um aglomerado de microsons. Esse artigo faz parte de uma pesquisa, feita por mim, chamada O microsom no aspecto composicional. Acredito que esse estudo possa abrir novos caminhos para a composição musical, como uma tendência inovadora que mostra perspectivas de utilizar parâmetros de escuta e de análise para o desenvolvimento de uma produção musical contemporânea.

O microsom

Historicamente, a idéia de microsom pode ser traçada a partir do trabalho do cientista britânico Dennis Gabor (1947) na década de 40. Nesse mesmo período, Gabor publicou uma teoria matemática para a análise do som em termos de discretas unidades de energia sonora limitadas pela frequência e pelo tempo.

Na concepção de Gabor, qualquer som pode ser formado por uma combinação apropriada de um número suficientemente grande de grãos sonoros elementares. Essa idéia, está baseada na representação do som no domínio da frequência em relação ao tempo. Essa relação se coloca em

oposição ao método de Fourier (1991), baseado na representação do som no domínio da frequência sem referência ao eixo temporal. Barry Truax aponta dois problemas em relação ao teorema de Fourier. O primeiro é que, em princípio, ele ignora completamente o tempo. Segundo o teorema, todo som periódico, não importando sua complexidade, pode ser decomposto em uma série de ondas senóides absolutamente puras e ideais. Essa representação ideal pressupõe que as ondas senóides constituintes tenham duração infinita, ou seja, sem começo nem fim (Truax, 1993: 388).

O procedimento dessa investigação é chamado análise espectral. No entanto tais sons puros, só existem como conceito teórico. É interessante notar que a maioria dos sons que nos rodeia, bem como sons produzidos por instrumentos musicais não são estritamente periódicos. Especialmente em seu início, o que ocorre é um ataque transitório ou uma explosão de ruídos. No pequeno período de tempo quando o som começa, a quantidade de variação acústica e de informação do som é bastante grande. São justamente essas variações que conferem a complexidade que percebemos nestes sons. Truax aponta ainda um segundo problema relacionado ao modelo de Fourier:

corresponde pobremente a realidade psicoacústica de como nosso sistema auditivo realmente processa o som musical. Embora nós possamos representar a análise de Fourier , ou seja, distinguir componentes harmônicos separados, nós podemos fazê-lo somente para os

harmônicos mais baixos cujas frequências são suficientemente distantes uma das outras, e somente sob condições onde o som é tão prolongado que nós temos tempo de focar naqueles harmônicos. Em outras palavras, nós temos que simular a manutenção das condições sugeridas pela teoria de Fourier para que ela seja aplicada. Em situações mais realistas, com densidades sonoras em música envolvendo várias notas por segundo numa linha melódica, possivelmente combinada com cordas e vários instrumentos acompanhando, o sistema auditivo usa meios muito mais eficientes para identificar e rastrear determinados instrumentos” (Truax, 1993: ).

Podemos pensar que, de fato, o que é mais notável na idéia de Gabor é a possível relação entre a insignificância do grão (quando ouvido separadamente o grão é um simples “click” ou um “ponto” sonoro) e a riqueza de uma textura granular que pode resultar de sua superimposição de vários grãos (Truax: 1993 – ). Se, por um lado, de acordo com os conceitos de Dennis Gabor, grão sonoro é um breve evento acústico o que implica numa certa dificuldade em discriminar qualquer tipo de parâmetro no tempo (como frequência, duração, intensidade), por outro lado é um evento acústico grande o suficiente para podermos, observar suas características particulares, mesmo que para isso seja necessário o uso de equipamentos sofisticados.

Uma vez que o ouvido necessita de tempo para decodificar certos aspectos relativos à natureza sonora, sons extremamente curtos tendem a resistir à percepção desses aspectos, e isso tanto mais é verdadeiro quanto menor forem as suas durações. Por isso, tomados isoladamente cada um desses sons não têm significância enquanto fenômeno sonoro percebido. Ao contrário do que geralmente ocorre em estruturas melódicos- harmônicas, esses sons de duração muito curta só adquirem significância enquanto conjunto sonoro. Por exemplo: se tirarmos uma nota de um acorde triádico de dó maior (do – mi – sol), nós perderemos sua característica fundamental de acorde maior, mas se tirarmos um som muito curto de um aglomerado ou complexo sonoro, em geral as características gerais desse complexo sonoro se mantêm. Quer dizer, existe uma certa independência entre os elementos que constituem o som no nível micro e seu comportamento enquanto fenômeno percebido no nível macro, e essa interdependência está relacionado à escala temporal onde ocorrem esses sons.

Portanto, na geração de complexos sonoros a partir dos sons extremamente curtos, é necessário estabelecer processos de controle de modo a gerar sons complexos a partir da ordenação dos micro-elementos que os constituem.

Esses processos podem ser estocásticos, probabilísticos ou determinísticos, podendo levar a resultados diferentes que vão de micro- polifonias complexas aos aglomerados sonoros que Iannis Xenakis chama de nuvens sonoras (1971).

Xenakis foi o primeiro compositor a estudar esses processos de controle desses sons muito curtos. Em 1959, propôs a seguinte hipótese:

“Todo som, cada variação contínua de um som é para ser entendida como um conjunto de um número suficiente de partículas elementares. No ataque, sustentação e queda de um som complexo, milhares de sons puros aparecem num intervalo de tempo relativamente pequeno” (Xenakis: 1997).

Trabalhando nos estúdios da Radio France, Xenakis cortou gravações de fitas magnéticas de sons puros em centenas de minúsculos fragmentos. Então, cuidadosamente ele os uniu em uma ordem diferente para criar texturas granulares. Depois de várias experiências, essas sonoridades pioneiras apareceram na composição Analogique A-B para orquestra de cordas e tape (Xenakis: 1997).

Segundo a hipótese proposta acima por Xenakis, a partir dos estudos dos conceitos de Gabor, o som também é de natureza quântica, granular.

“Qualquer som é constituído por galáxias de grãos elementares definidos por uma frequência pura, uma intensidade e uma duração muito fraca, que aparecem e desaparecem instantaneamente”(Xenakis:1964).

Hoje, por meio dos novos recursos tecnológicos e o aumento do conhecimento sobre as relações físicas e psicoacústicas do som, é possível obter

um controle maior do material sonoro, o qual nos permite entender diferentemente os sons, pesquisar suas características e observar sua estrutura interna.

Essa possibilidade de analisar e manipular o som precisamente numa escala microscópica, oferece uma nova perspectiva no tratamento sonoro dentro da criação musical. Enquanto a música tradicionalmente operava em uma escala temporal relativamente grande, o atual estágio científico e tecnológico permite tomar como ponto de partida, na criação musical, fenômenos sonoros que ocorrem em uma escala temporal bastante reduzida. A esses sons extremamente curtos vamos chamar de microsom.

Se tomarmos o microsom isoladamente podemos conceituar três possíveis grandezas escalares:
Grão sonoro: é uma “janela temporal”

aplicada sobre o som cujo tamanho (da janela) pode ser menor que o período desse mesmo som. Podemos comparar a escuta desse grão com um “click” e sua duração, que é determinada pela duração da janela, em geral acontece na faixa de milésimos de segundo.

Fragmento sonoro: é o recorte de uma pequena porção de qualquer som, de duração mais ou menos curta. Por Exemplo: ataque ou ressonância de um determinado som instrumental que em geral acontece na faixa de décimos de segundo.

Som de curta duração: é, por exemplo, o staccato (som de curta duração) de qualquer instrumento de corda, sopro e percussão que conhecemos. É um som curto cujo tamanho pode ser da grandeza de um segundo, como

um staccato tocado por um instrumento de corda, o estampido do disparo de um revolver, ou a pronúncia de uma sílaba qualquer.

Rodrigo Vitta

Professor de composição da Uni FIAM/FAAM – SP, regente titular da Orquestra Metropolitana SP e regente assistente da Orquestra Sinfônica Municipal de Santos.

Referência Bibliográfica

GABOR, D. (1947) ‘Acoustical quanta and the theory of hearing’ Nature 159 (4044): 591-4

ROADS, C; DEPOLI; PIACIOLLI, (1991). Representations of Musical Signals. Mit Press. Asynchronous Granular Synthesis. Cap.5: 144

ROADS, C. e ALEXENDER, J. (1997). Granular Synthesis. Keyboard Magazine. “Comentário de Xenakis. June: 44

ROADS, C. e ALEXENDER, J. (1997). Granular Synthesis. Keyboard Magazine. June: 44

TRUAX, Barry. (1993). Electroacoustic Music and the Soundscape: The Inner and Outer World. Cap. 20, p.388- 397.

XENAKIS, I. (1964). Elementos sobre os processos probabilistas (Estocásticos) de composição musical. Tradução: In. Samuel. Panorama da Arte Musical Contemporânea. Lisboa Editorial Estúdios Cor.: 337.

XENAKIS, I. (1971). Formalized Music: thought and mathematics in composition. New York, Pendragon Press. (2a edição revisada, 1992; 1a edição, 1971)

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